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Por Manie El Khal, 02 de Outubro para o blog Hijab•Se

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"Você é de lá? Você fala português muito bem."

Quantas vezes já não ouvimos e rimos de perguntas como essa vivendo como brasileiras e muçulmanas? Acontece que apesar de ser cômico, é triste pensar que muitas vezes, quando somos reconhecidas como muçulmanas, a sociedade falha em nos reconhecer como parte de si. Somos assimiladas a algo diferente, de fora, e imediatamente ligadas a ideias de opressão, submissão, passividade, entre outros. Enquanto isso, somos terra do mesmo lugar e temos nossa própria identidade, como muçulmanas, brasileiras, mulheres. Às vezes compartilhamos do uso do véu, às vezes não, às vezes usamos roupas tradicionais de outra cultura, às vezes não. Às vezes almoçamos arroz e feijão e às vezes a comida típica da culinária dos nossos pais... Somos diferentes em jeito, mas somos iguais em valor. Fazemos parte da história dessa país, e continuaremos fazendo, uma por uma, até o fim. ♥


Uma terra colorida

Como muçulmanas, somos tão antigas no Brasil quanto o próprio país. A chegada do Islam acontece com a vinda de negros e negras africanos escravizados pelos portugueses. Muitos deles eram muçulmanos e se destacavam por possuírem costumes diferentes, como admiráveis hábitos de higiene, domínio da língua e da escrita árabe, recitação de versículos corânicos e especialmente: resistência contra a escravização deles, o que resultou na famosa "revolta dos Malês, na Bahia". Esses muçulmanos aprenderam com o Islam que eram todos seres humanos dignos e não deveriam se submeter a ninguém exceto a Deus, por isso viveram e morreram provando o significado de ser muçulmano.


Como brasileiros, também descendemos deles. Somos fruto de uma miscigenação característica do processo de colonização do país, e por isso somos tão diversos. Além disso, o território brasileiro é tão imenso, que cada estado tem seus sotaques, expressões, manias, cultura. Imagine o Brasil inteiro? Como podemos olhar para uma mulher muçulmana e imediatamente assimilar a um país diferente? Pertencemos a esse país, com toda a nossa diversidade. Somos parte dele, e ele é parte de nós. Essa troca mútua gera inúmeros resultados, então, quando pensarmos nas brasileiras muçulmanas, lembremos: somos um infinito de possibilidades.


"Volta pro seu país"

Algumas de nós, de fato, tem um background ou raízes estrangeiras, e na grande maioria desses casos, essas mulheres são nascidas e crescidas no Brasil, possuindo toda a vivência cultural do país, apesar do contato - muitas vezes limitado - com outras culturas, o que apenas enriquece sua formação pessoal. Cada cultura possui sua riqueza, e a mistura de dois mundos é o que deixa cada um deles ainda mais belo, único, surpreendemente diferente.


Contudo, ainda assim, brasileiras natas ou não, qualquer mulher muçulmana que se encontre em território brasileiro, inevitavelmente cria e carrega consigo sua vivência pessoal enquanto cidadã do mundo, e recebe marcas da cultura brasileira em si, convivendo, aprendendo, ensinando, enaltecendo o que há melhor na sua própria identidade e na mistura de culturas, filtrando e deixando de lado aquilo que não as cabe e nem as acrescenta. Sendo assim, a próxima vez que ouvir "volta para o seu país", volte para si. Somos um universo extraordinário, e transbordamos daquilo que há em nós. Deixemos todo o sistema testemunhar todo o nosso brilho, então. ♥


Como um só

Cor, status, profissão, ou qualquer outro critério de avaliação são meros detalhes. A religião nos ensina que não há absolutamente nenhuma diferença entre os seres humanos exceto pela virtude de cada um. Somos ensinadas a nutrir uma irmandade entre nós para que possamos criar comunidades saudáveis, que sejam uma rede de apoio mútuo a todos e todas que estejam ali. Por que será que isso muitas vezes não acontece? A falha está em enxergar as diferenças como parâmetros separatistas, que definem quem é melhor ou pior, sendo que a base da religião ensina a abraçar os indivíduos como se todos fossem um só, dignificando cada um com a sua essência e personalidade únicas.


Não é diferente conosco, mulheres, brasileiras e muçulmanas. A fé espera nos unir em um mundo que nos separa. Os princípios da religião valem para todas, e através deles devemos buscar nos fortalecer, com amor, amizade e coisas boas. As recompensas igualmente valem para todas, e ninguém possui acesso a isso, senão Aquele que definiu o nosso valor como grandioso e igualitário, por isso, não julguemos as intenções que ocultam os corações de outras muçulmanas. Às vezes, podemos notar um deslize externo e visível aos olhos, e carregarmos assim um defeito internamente tóxico, que ninguém enxerga. Por isso, sejamos compassivas, amorosas, e possamos assim nutrir grupos de mulheres de fé bonita, fortes, que ressaltem o que há de melhor em cada uma, explorem experiências inesquecíveis juntas, e possam compartilhar de um laço mais intenso que o de se ter sangue brasileiro: o laço da fé.

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Manie El Khal é Arquiteta, Urbanista, ‬Designer e Colunista Oficial da Hijab•Se. Mineira e descendente de marroquinos, é amante da fé e da arte e mescla-as para traduzir sua essência.

Conheça mais sobre sua história através do Instagram: @maghrebiyah


 

Atualizado: 18 de abr. de 2022

Por Quezia Barreto, 23 de Março para o blog Hijab•Se.

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Na dialética racista, entre o racismo por omissão ou racismo por intenção, podemos analisar as mais complexas interseccionalidades femininas. Não somos isso ou aquilo. Nós somos muito mais do que determinam que podemos ser, e só estamos aquém no que tange aos limites estabelecidos por subjetividades outras, as quais nos impõe, a fim de que coletivamente não nos enxerguemos em nossos pares, e experimentemos um ciclo vicioso de não reconhecimento e autossabotagem, por meio do dualismo entre ser e existir, o qual permeia a impostora que habita em nós e constantemente tenta nos cancelar.


Porém como nós, mulheres pretas, chegamos até aqui, nessa inconstante e hipervigilante situação de autopoliciamento, nos tornando a nossa própria algoz? No épico discurso de Sojouner Truth, ela aborda sobre a diferença de tratamento para mulheres negras, que atuam em funções, na época, destinadas a homens ou gentilezas que mulheres brancas recebiam, porém a ela nunca foram deferidas. Então, ela questiona: e eu, não sou uma mulher?! Esse discurso foi proferido como uma intervenção na Women’s Rights Convention em Akron, Ohio, Estados Unidos, em 1851:


“(...) Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E não sou uma mulher? Olhem para mim? Olhem para meus braços! Eu arei e plantei, e juntei a colheita nos celeiros, e homem algum poderia estar à minha frente. E não sou uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto e comer tanto quanto qualquer homem – desde que eu tivesse oportunidade para isso – e suportar o açoite também! E não sou uma mulher? Eu pari 3 treze filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei com a minha dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu! E não sou uma mulher?

Daí eles falam dessa coisa na cabeça; como eles chamam isso… [alguém da audiência sussurra, “intelecto”). É isso querido. O que é que isso tem a ver com os direitos das mulheres e dos negros? Se o meu copo não tem mais que um quarto, e o seu está cheio, porque você me impediria de completar a minha medida?...”


As microagressões em corpos pretos, nos faz refletir sobre os novos modelos de cerceamento de direitos, como disse Angela Davis, a base da pirâmide social é a mulher negra, suportando todo o peso da sociedade. Porque se mulheres brancas puderam avançar em suas carreiras, foi em decorrência do suporte e sacrifício de mulheres pretas, as quais foram reduzidas por anos a espaços de subalternidade, trocaram as senzalas pelas casas de família.


E nesse novo modelo de segregação, os quartos de empregada viraram novas senzalas, com a diferença desde o espaço, a ventilação, como os objetos de higiene pessoal, ou um simples papel higiênico, pode exemplificar a disparidade entre os patrões e a "empregada", a qual mesmo com tantas distinções, era chamada de "quase" da família. Quantos direitos foram violados por esse advérbio de modo tão empregado ao longo dos tempos?


Ainda fica o questionamento sobre quem, da sua família, você já pagou para limpar o seu banheiro?!

É nesse "quase" que direitos básicos como hora extra e adicional de deslocamento, são retirados e mulheres pretas, que recebem o emprego doméstico, quase como herança, se veem compelidas a resignação desse lugar de subalternização, destinado como único caminho viável de subsistência e independência.


Dessa maneira, a discriminação racial deve ser observada no mês de março, como atravessamento determinante para o local que nos é destinado socialmente, assim como outros demais atravessamentos que somam em nossos corpos. Eu mesma, sou mulher negra, nordestina, muçulmana e fruto da classe trabalhadora periférica, e sinto todos esses atravessamentos tentando me definir um local na sociedade, dizendo onde devo ou não devo chegar, por tal, luto diariamente, junto com tantas outras, por justiça, diversidade, equidade e inclusão social nos mais variados espaços, mesmo tendo estado segregada, e de certa forma ainda estando, de muitos deles.


A indumentária é uma das mais antigas formas de segregação, no livro Contra o Feminismo Branco, Rafia Zakaria aponta a discriminação com o Sari, vestimenta típica de mulheres hinduístas, o qual era considerado vulgar, inapropriado e primitivo pelas feministas europeias, no início do século passado, já que deixava as mulheres seminuas, quando se cobrir era considerado sinônimo de civilidade.


“Se as feministas europeias ficam terrivelmente irritadas com as mulheres muçulmanas que insistem em cobrir seus corpos hoje em dia, elas ficavam igualmente irritadas com a falta de coberturas nos corpos das mulheres hindus daquele tempo.”


O que mudou hoje? Apenas a percepção de civilidade, atrelada a vestimentas modestas, que passaram a ser sinônimo de opressão, como se o fato de optar por se cobrir, fosse uma espécie de ultraje, já que mulheres livres podem se mostrar livremente, ou apenas não se cobrem mais, estigmatizando, portanto, mais uma vez o diferente, pelo simples fato de ser diferente.


O que ficou no meio do caminho de todo esse avanço social, é o fato de que nós mulheres somos plurais e o pluralismo feminino comporta diversas nuances que ressoam as nossas subjetividades.


Não existe dualismo entre usar o hijab e ser livre. Nós mulheres muçulmanas somos livres usando o hijab. Sermos obrigadas a retirar o véu, em países como França e Índia, é uma violência, a qual agride a liberdade de escolha feminina. E se fere o direito de livre escolha, e usurpa da mulher a decisão sobre o seu corpo, rompe com o conceito de alteridade e expõem nossos limites sociais no reconhecimento das diferenças. Ademais, a supressão do uso do hijab, a burca, ou niqab, fere os Direitos Humanos, a Dignidade da Pessoa Humana, a Identidade Religiosa e o Sentimento Religioso, o Direito à Liberdade Religiosa de milhões de mulheres em todo o mundo e beira ao discurso de ódio, que tem cerceado oportunidades para mulheres brilhantes, fortes e que só desejam ter as mesmas chances que as demais em sociedade, sendo assim, demonstrando alguns aspectos intrínsecos a mais perversa violência, ou seja, aquela que se naturaliza em meio aos nossos hábitos cotidianos.


Vamos celebrar a liberdade de mulheres de todas as cores, credos e classes, a nossa força está na compreensão de que somos diversas e a diversidade não é limitadora dos nossos Direitos.


E por acaso, não somos todas mulheres?


Quezia Barreto é Advogada; Mestranda em Relações Étnicas e Contemporaneidade (UESB); Pós graduanda em Processo Civil Civil( UCAM); Diretora de Comunicação e Divulgação da ANAJI; Membro do Programa Direito e Relações Raciais (UFBA); Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Psicanálise, Identidade, Negritude e Sociedade (UFRB); Correspondente da Comissão de Direito Internacional e Relações Internacionais do Instituto dos Advogados do Brasil na Bahia (CDI-IAB/BA); Membro da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da OAB/BA; Formada em Divulgação do Islam pelo Instituto Latino Americano de Estudos Islâmicos (ILAEI).

Conheça mais sobre sua história através do Instagram: @berretoqueu


 

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