Diversidade para que?
- Team Hijab•Se
- 1 de mai. de 2022
- 6 min de leitura
Por Amar Alrai e Quezia Barreto, 1 de Maio para o blog Hijab•Se

Desde a morte de George Floyd, afro-estadunidense assassinado em Minneapolis, no estado de Minnesota nos EUA, no dia 25 de maio de 2020, a crescente internacional do movimento Black Lives Matter, que já existia anteriormente ao fatídico episódio de violência policial, aumentou a busca das empresas por
DIVERSIDADE, EQUIDADE E INCLUSÃO, com maior pluralismo nos processos seletivos em todo o mundo, na busca por inovação nos ecossistemas empresariais pautados no poder agregador da mentalidade plural.
Sempre ouvimos em palestras motivacionais, sobre o método de “pensar fora da caixa”, porém tem melhor forma de pensar o diferente, o inovador, o que ninguém pensou, do que agrupar capital humano com os mais variados backgrounds?
Nessa perspectiva existe uma luta contracorrente, porque existe um controle no ser diferente e quanto podemos ceder em prol dessa identidade empresarial tão progressista. Para quem busca uma oportunidade no mercado de trabalho deve considerar as diversas variáveis do mundo moderno. Como uma modalidade de investimento, que envolve alguns riscos específicos, é possível obter um retorno ou não, considerando uma sequência de fatores imbricados a muito tempo em nossa sociedade.
A lei do maior esforço diz que: a superação dos obstáculos e a conquista dos sonhos ocorrerá por meio da dedicação pessoal ao estudo e trabalho. Contudo, devemos observar que a pluralidade entre o trinômio raça, classe e gênero, não nos garante o mesmo ponto de partida. E se não existe igualdade na jornada, a sociedade precisa se unir em um pacto social e promover a equidade a fim de que juntos possamos: identificar e desconstruir, para desenvolver um coletivo saudável. E esse é o porquê de a MERITOCRACIA ser a maior falácia social, junto com a idealização do Brasil como uma Democracia Racial. Não estamos no mesmo barco, nunca estivemos, não partimos do mesmo ponto e de certo que não temos os mesmos obstáculos.
Tanto quanto o racismo, a islamofobia funciona e se reproduz sem embaraço quando é negado, naturalizado, incorporado ao nosso cotidiano como algo normal. Se não estivermos em constante análise para reconhecimento dessas realidades as quais nos permeiam, é como se o problema não existisse e nenhuma mudança fosse necessária.
Dito isso vamos abordar sobre EM-PA-TI-A!
Se o problema não me afeta, nem a ninguém da minha família ou do meu círculo social mais próximo, porque então devo me importar? Em sua coletânea de artigos, odeio os indiferentes, escritos ao longo de 1917, Antônio Gramsci traz a ideia que muito pior do que cometer um ato de agressão, é estar presente e não se importar, porque não foi com você.
“Odeio os indiferentes também porque me irrita o seu choramingar de eternos inocentes. Pergunto a qualquer um desses como cumpriu a tarefa que a vida propôs e propõe cotidianamente, daquilo que realizou e especialmente daquilo que não realizou. Sinto que posso ser inexorável, que não preciso desperdiçar minha piedade ou compartilhar minhas lágrimas. Sou resistente, vivo, sinto na virilidade da minha consciência pulsar a atividade da cidade futura que estou ajudando a construir. Nela a cadeia social não pesa sobre poucos, cada acontecimento não é devido ao acaso, à fatalidade, mas é obra inteligente dos cidadãos. Não há ninguém na janela contemplando enquanto os poucos se sacrificam, se esvaem em sacrifício; aquele que permanece de plantão na janela para aproveitar do pouco que a atividade dos poucos alcança ou para desafogar a própria desilusão vituperando o sacrificado desfalece sem conseguir o que pretende. Vivo, tomo partido. Por isso odeio quem não o faz, odeio os indiferentes.”
Em uma fala atribuída ao Martin Luther King ele disse: “o que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.
Devemos viver, amealhar riquezas e não nos importar com os infortúnios alheios ou devemos nos considerarmos seres sociais, parte do todo e que, portanto, ainda que indiretamente somos afetados por problemas sociais que atravessam corpos diversos aos nossos?
As práticas ESG (ambientais, sociais e de governança) em toda a cadeia de produção empresarial, demonstram um aumento da preocupação sobre responsabilidade social e ambiental, não somente no entorno, como também pelas famílias representadas por seus colaboradores, para além do olhar atento nos processos e atividades para que a interferência capitalista seja cada vez menor no ecossistema do planeta. É importante nesse instante ressaltar a relevância em reverter possíveis impactos já causados à sociedade e desenvolver estratégias de combate a esse tipo de conduta empresarial, sem perder a capacidade de gerar lucro para seus acionistas e investidores.
ESG não é uma revolução nas práticas empresariais, mas um processo de readequação na busca por oportunidades nos modelos de negócios existentes para realizar um melhoramento nas práticas já utilizadas.
Ser parte de uma coexistência plural e coletiva é, portanto, pensarmos que a intolerância religiosa é fator segregador e que usurpa a capacidade laboral e intelectual, por exemplo, de milhões de muçulmanos no mundo que acabam engrossando a fileira dos desempregados e como válvula de escape, o número dos empreendedores por necessidade, por falta de oportunidades. Pessoas que desistem de suas carreiras porque são rechaçadas e expurgadas do mercado de trabalho pelo simples fato de professarem uma religião diferente.
O recrudescimento da Islamofobia é um dos fatores geradores desse fenômeno social, que distorce a imagem da mulher muçulmana e reduz o uso do véu como mero elemento de opressão.
Quantas mulheres muçulmanas, dentro dessa perspectiva, são forçadas a retirar o véu, pois, não conseguem uma colocação no mercado de trabalho, ou se submetem a uma mudança forçada de profissão ou optam pelo empreendedorismo de necessidade, porque aqui no Brasil, não há garantia e a segurança jurídica ainda é fragilizada em casos de intolerância religiosa no ambiente de trabalho? Todas essas situações acima mencionadas colocam a mulher muçulmana num espaço muito frágil e de vulnerabilidade social.
Como sobreviver numa sociedade que não te tolera, não te respeita e ainda te julga como oprimida? Agora desabafamos enquanto muçulmanas: como podem nos julgar oprimidas, sendo que saímos todos os dias de casa, dando a cara a tapa para todos, buscando uma oportunidade de trabalho para o nosso sustento e da nossa família? Isso é opressão? Opressão mesmo é o que fazem com a gente, nos negando direitos e nos tirando oportunidades, nos colocando em uma posição de inferioridade pelas vestimentas que usamos. Estamos cansadas de sempre termos que nos provar que somos “tão boas, quanto aquelas que não usam o lenço.”, como se nossa capacidade fosse medida pelo “pano que usamos na cabeça”.
Quantas e quantas vezes fomos a uma entrevista de emprego e a primeira pergunta que nos fazem é “você pode tirar esse pano para trabalhar?”. Ou ainda, “você pode trabalhar? O seu marido deixa?” Ora, se estou indo apresentar o meu currículo e me dispus a passar por um processo seletivo (preconceituoso, por sinal),
por que não poderia trabalhar?
As mulheres muçulmanas brasileiras ainda têm (infelizmente) um longo caminho pela frente para que possam ser realmente inseridas no mercado de trabalho em sua totalidade de forma digna e livre de preconceitos. O trabalho que tem sido feito nas mídias sociais por mulheres muçulmanas em todo o Brasil, contribui para ajudar a quebrar o estereótipo da mulher muçulmana "inacessível" e “oprimida” que nos colocaram. Mas isso não é suficiente, ainda precisamos de muito mais. Precisamos, enquanto comunidade islâmica, sair do entorno das mesquitas e dos centros islâmicos, e de fato, nos inserirmos na sociedade, ocupando os espaços de educação, saúde, política, arte e demais lugares.
Representatividade importa, e devem ser não apenas visíveis na superfície, mas também profundos como um iceberg no qual a sua extensão submersa poderá ser maior tanto em profundidade quanto em largura. Queremos ocupar os espaços visíveis, mas também os invisíveis de produção e decisão na gestão e organização de empresas e projetos.
Nós enquanto mulheres muçulmanas conclamamos, portanto, a todas as mulheres, muçulmanas, que usam o véu ou não, ricas ou pobres, jovens ou idosas, muçulmanas ou não, que se juntem a nós nessa corrente do bem, a favor de maior diversidade religiosa em ecossistemas laborais como uma necessidade latente em nossa sociedade. Sobretudo no que tange às mulheres que carregam a sua religiosidade trajando indumentárias religiosas no seu dia a dia.
"Não sou livre enquanto outra mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minha" Audre Lorde
Então nesse 1º de Maio de 2022, o que temos para comemorar?

Quezia Barreto é Advogada; Mestranda em Relações Étnicas e Contemporaneidade (UESB); Pós graduanda em Processo Civil Civil( UCAM); Diretora de Comunicação e Divulgação da ANAJI; Membro do Programa Direito e Relações Raciais (UFBA); Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Psicanálise, Identidade, Negritude e Sociedade (UFRB); Correspondente da Comissão de Direito Internacional e Relações Internacionais do Instituto dos Advogados do Brasil na Bahia (CDI-IAB/BA); Membro da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da OAB/BA; Formada em Divulgação do Islam pelo Instituto Latino Americano de Estudos Islâmicos (ILAEI).
Conheça mais sobre sua história através do Instagram: @berretoqueu

Advogada, brasileira, filha de imigrantes sírios, atua com ênfase em direito e procedimentos migratórios. Pós-graduanda em Direitos Humanos na América Latina ( UNILA); Pós-graduanda em Direito Constitucional Aplicado (LEGALE); Presidente da Comissão das Mulheres Advogadas da OAB/PR subseção Foz do Iguaçu; membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PR subseção Foz do Iguaçu; membro associada da Associação Nacional dos Juristas Islâmicos (ANAJI). Fala e defende as mulheres, em especial as muçulmanas! Se pudesse se resumir em uma frase seria “ Lute pelo seu direito!”
Conheça mais sobre sua história através do Instagram: @amar.alrai






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