O Islam na África - por que todos devemos aprender sobre ele
- Manie

- 20 de nov de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 20 de nov de 2022
Por Gabriela Amin, 20 de Novembro para o blog Hijab•Se

Hoje, 20 de Novembro, recordamos mais um dia de "Consciência Negra", em um mundo que essa recordação deve ser essencialmente diária, não apenas limitada a uma data com programações especiais e efêmeras. A Consciência, respeito, apreciação da Negritude é muito complexa e urgente para ser reduzida a um momento, e a luta antirracista deve ser compartilhada por cada um de nós, especialmente quando somos ensinados a isso pela nossa fé. Com isso, gostaria de refletir acerca da importância de um assunto: por que todo o muçulmano deve aprender sobre o Islam na África (mesmo os de origem árabe).
"Imite os negros, pois dentre eles estão três habitantes do paraíso: Luqman, o sábio; Negus o imperador da Abissínia; e Bilal o muezzin."
Um dos ensinamentos do Islam é de que há um vazio no coração do ser humano - independente de sua origem - que só pode ser preenchido por Deus. E que todos estamos sujeitos à vontade e ao poder d'Ele. Quem se chama "muçulmano" é somente alguém que reconheceu sua situação.
A disposição natural de se entregar a Deus é igual em todos. Por isso, é errado associar o Islam a somente um grupo étnico ou nacionalidade. Apesar disso, mesmo livros de história escritos por "mestres" e "doutores" no assunto apresentam o Islam como uma revolução cultural árabe. Porém, quando olhamos para a primeira comunidade muçulmana, em Madinah, vemos um cenário muito mais diverso. Na cidade iluminada viviam, além de árabes, pessoas de diferentes origens, como persas, curdos e judeus étnicos. Porém, um grupo se destacava após os árabes: os abissínios.
A África é parte da história do Islam
Há 14 séculos, o Profeta Muhammad (que a paz de Deus esteja sobre ele) liderava, em Madinah, a oração fúnebre do Rei da Abissínia, Al-Najashi. Ele marcou a história islâmica por acolher muçulmanos fugindo da opressão dos árabes pagãos, e se tornou o primeiro líder de estado a aceitar a mensagem do Islam, escondido de seus servos. Também em seu Reino, foi construída a primeira Mesquita após a revelação do Alcorão. O Masjid al-Qiblatayn, fica onde hoje é a Somália e foi construído antes da Mesquita que leva o mesmo nome, em Madinah, por esse grupo de refugiados e de abissínios locais que se converteram.
Atualmente existem mais muçulmanos na África do que em todo o Oriente Médio. Mais muçulmanos na "África Subsaariana" do que em todo o Norte da África. Podemos ressaltar fatos desde a primeira comunidade muçulmana, à forma como o Islam se espalhou no Continente Africano, trazendo uma religiosidade autenticamente Africana sem contradizer a Sunnah, até os combates contra reis hipócritas que capturavam e escravizaram muçulmanos e os malês que chegaram ao Brasil colonial... As lições que podemos aprender sobre muçulmanos africanos não cabe em um curto artigo.
Seguem algumas lições que todo o muçulmano brasileiro, independente da origem do sobrenome, pode aprender com a história dos muçulmanos africanos:
A seriedade no aprendizado do Alcorão
Diferente de outros livros, o Alcorão (do árabe Al Qur'an, ou "a recitação") não é a sua cópia física. Mesmo que todas as cópias fossem destruídas hoje, em poucas horas eles poderiam ser reescritos, graças aos esforços dos muçulmanos de preservá-lo através da memorização e recitação.
Em um Hadith famoso, quando perguntada como era o caráter do Profeta (que a paz de Deus esteja sobre ele), Aisha respondeu: seu caráter era o Alcorão. Em outra ocasião, ela disse que ele era o “Alcorão ambulante”.
Parte da educação corânica, como ocorria em regiões da África Ocidental, tinha como objetivo não somente em memorização, mas em tornar o estudante em uma cópia ambulante do Alcorão, fazendo com que ele absorvesse os ensinamentos do livro em seu caráter. E ainda na época colonial, o Alcorão chegou ao Brasil, mas não em papel. Ao contrário, ele chegou em nossas terras em carne e osso, acorrentado em navios negreiros. Milhares de muçulmanos africanos que chegaram as Américas eram hafiz - haviam memorizado o Alcorão -. Não obstante, além da dedicação ao Alcorão em geral, muitos desses homens e mulheres eram alfabetizados em seus idiomas de origem, enquanto a maioria dos senhores de escravos não sabia ler.
Dawah é ação, não discurso
Hoje, nós muçulmanos sofremos de má reputação. Porém, de pouco adianta utilizar os argumentos mais eloquentes para explicar a nossa religião, pois essa reputação se dá por existir uma desconexão entre a nossa prática e os ensinamentos religiosos.
De acordo com o historiador Rudolph (Belal) Ware, diferente do que aconteceu nas regiões ao norte, o Islam se espalhou do leste ao oeste africano não por conquista militar, nem por proselitismo. Pelo contrário, formaram-se grupos de muçulmanos africanos convertidos, que se dedicaram extensivamente a caridade, a medicina, a alfabetização de seus povos e — aos que quisessem aprender — ensino do Alcorão.
Não é a toa, até pouco tempo, diversos idiomas falados ao Sul do Saara - do Somali ao Hauçá, eram escritos no alfabeto árabe. O Islam se espalhou na região pelo benefício que esses educadores muçulmanos traziam as suas comunidades. Um exemplo famoso desses educadores foi uma mulher, Nana Asmau. Ela ficou famosa por criar uma irmandade (como elas se chamavam) de mulheres professoras, que viajavam e educavam outras mulheres. Ela era filha de Usman dan Fodio, que fundou o Califado de Sokoto após guerrear contra reis da região que participavam da captura e venda de pessoas escravizadas, com o princípio de que um muçulmano não deveria servir a ninguém, exceto a Deus.

Nascida em São Paulo, Gabriela Amin é muçulmana, mãe em home office e redatora.
Conheça mais sobre sua história através do Instagram: @agabiamin






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